Ameaça ao trabalhador - Fundo terá rombo de r$
7,2 bi este ano
Déficit recorde no FAT
Com gastos em alta de seguro-desemprego e abono, rombo vai atingir R$ 7,2
bilhões no ano
O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte de recursos para o BNDES, o
se-guro-desemprego e o abono salarial (PIS), caminha cada vez mais
rapidamente para um déficit recorde. A previsão é que o Fundo feche o ano
com resultado negativo recorde de R$ 7,2 bilhões, o pior desde sua criação,
em 1990, segundo fontes do Conselho Deliberativo do FAT. Em 2012, as
contas fecharam com superávit de R$ 3 bilhões. Para 2014, o déficit projetado
chega a R$ 9,3 bilhões, mas poderá ser ainda maior, o que exigirá novos
aportes do Tesouro, ou vai forçar redução do patrimônio do Fundo, que já está
crescendo menos. Entre 2003 e 2012, o patrimônio avançou 10,1% ao ano,
mas, em 2013, até agosto (último dado disponível), a alta foi de apenas 3,88%.
Uma análise das contas do Fundo nesse período mostra uma explosão das
despesas, principalmente com seguro-desemprego e abono salarial. Enquanto
as receitas do FAT (oriundas do PIS/Pasep recolhido pelas empresas) subiram
79,5%, de R$ 21,701 bilhões para R$ 38,954 bilhões (valores corrigidos pelo
IPCA), os gastos com seguro-desemprego aumentaram 158,4%, passando de
R$ 10,999 bilhões para R$ 28,424 bilhões. Com o abono, as despesas subiram
325,5%, de R$ 2,965 bilhões a R$ 12,617 bilhões. Os desembolsos com o
seguro, até agosto deste ano, atingiram o montante de R$ 20,510 bilhões e,
com o abono, R$ 7,735 bilhões.
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas, chama a atenção para as elevadas
despesas, principalmente com o seguro-desemprego.
— Quando temos debates com estrangeiros, há grande dificuldade para
explicar por que o desemprego cai e os gastos com seguro-desemprego
sobem. É igual jabuticaba, só tem no Brasil — disse.
Especialistas destacam que as razões para a piora das contas incluem ganhos
reais maiores do salário mínimo, rotatividade dos trabalhadores e até fraudes.
EXIGÊNCIA DE CURSOS
Para conter despesas, o governo começou a exigir, no fim de 2011, curso de
qualificação para quem recorrer ao auxílio três vezes em dez anos, Semana
passada, as regras para receber o benefício ficaram mais rígidas, e o
pagamento do seguro foi condicionado à realização do curso de capacitação
para quem requisitar o benefício duas vezes em dez anos. Os cursos são gratuitos (no Senai e Senac), do Pronatec, parceria entre os ministérios da
Educação e do Trabalho.
Mas poucos trabalhadores conseguem se matricular nos cursos de formação, o
que reduz os efeitos práticos da medida, já que o trabalhador não pode ser
prejudicado. Segundo levantamento do Ministério do Trabalho, 7,7 milhões de
trabalhadores receberam o seguro no ano passado e só 46.481 foram
matriculados. Em 2013, de 5,7 milhões de trabalhadores beneficiados, só
50.803 apresentaram comprovante de matrícula. O Ministério da Educação
disse ter recebido valor de R$ 195 milhões do Orçamento da União para
remunerar as instituições de ensino, mas quem controla o andamento dos
cursos e a frequência dos alunos são as próprias instituições.
Dados do Ministério do Trabalho revelam, ainda, que mais de um terço dos
beneficiários do seguro-desemprego recorrem ao auxílio mais de duas vezes
num prazo de dez anos. Entre 2002 e 2011, o benefício foi pago a 62,7 milhões
de trabalhadores, sendo que 22.6 milhões pediram o benefício duas vezes, no
mínimo, No período, 5,2 milhões de trabalhadores recorreram ao seguro três
vezes; 1,4 milhão, quatro vezes; 67,9 mil por seis vezes e 5.6 mil por oito
vezes.
Pelas regras do seguro-desemprego, a recusa por parte do trabalhador de
outro emprego condizente com sua qualificação e remuneração anterior pode
resultar no cancelamento do benefício, mas faltam funcionários treinados nas
agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine). Há também problemas com
a exigência dos cursos de qualificação, a rede do Sistema S não está presente
em todos os municípios brasileiros e, além disso, não existem vagas
disponíveis. O Senai atende 2.700 municípios e o Senac, 3.154.
O Ministério da Educação informou que está tomando medidas para ampliar a
oferta de curso aos trabalhadores, junto com o Ministério do Trabalho (MTE). A
proposta é interligar a rede do Sine ao Sistema de Informações da Educação
Profissional e Tecnologia (Sistec) para escolha dos cursos e matrícula.
"Isso dará mais agilidade aos procedimentos de matrícula e permitirá ao MTE
realizar o acompanhamento on-line da frequência dos alunos" informou a
assessoria de imprensa do Ministério da Educação.
RECEITA COM OUTROS FINS
No início do ano, o Ministério do Trabalho, por orientação da Fazenda, limitou o
reajuste do benefício com valor superior ao mínimo à correção pela inflação
(INPC) e não mais pela adoção dos mesmos parâmetros do salário mínimo,
com ganhos reais. A medida desagradou as centrais sindicais, mas o governo
conseguiu adesão dos empresários no Conselho Deliberativo do FAT para
manter a trava. No fim deste mês, haverá reunião extraordinária do Conselho
para discutir soluções para o déficit.
Entre as causas da piora nas contas do FAT, estão os ganhos reais do salário
mínimo que impactaram as despesas com o seguro-desemprego e com o abono, com ampliação do universo de trabalhadores beneficiados (renda de até
dois salários mínimos). O FAT, por determinação da Constituição, repassa todo
ano 40% das suas receitas ao BNDES. Além disso, o governo segura 20% da
arrecadação, via Desvinculação de Receitas (DRU), para outras finalidades.
Para José Matias Pereira, professor de administração pública da Universidade
de Brasília, não importa o tamanho do esforço do governo com medidas para
reduzir ou controlar as despesas do FAT. É preciso, antes de tudo, combater
inúmeros casos de fraude.
— Há casos em que a pessoa encontra um emprego, mas pede para a carteira
trabalho não ser assinada e assim não perder o seguro-desemprego. Há,
ainda, aqueles que trabalham por algum tempo e, quando é possível voltar a
receber o benefício, largam o emprego — ilustrou o professor da UnB.
O presidente da Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados, Roberto
Santiago (PSD-SP), defende a redistri-buição dos recursos do FAT. Ele
observa que, se não houvesse a DRU, o FAT seria supe-ravitário.
— O governo precisa ter juízo e parar de usar o dinheiro do FAT, que é dos
trabalhadores.
Fonte: O Globo